Análise da Intervenção na Casa da Glória sob os conceitos de Hertzberger
A
arquitetura, como a arte em tudo aquilo que se constrói, tem seu objetivo,
beleza e funcionalidade pensados de uma forma, porém irrelevantes diante do uso
e sentido que será atribuído por seu usuário a ela. Por suas implicações
sociais, interferindo na relação das pessoas com o espaço e entre estes mesmos
usuários, deve ser adaptável a situações e interesses diversos, confortável
como planejada, mas também estimulantes da apropriação e mudanças feitas por
aquele que com ela interage.
Nessa
perspectiva foi planejada a intervenção no pátio descoberto, dormitório e corredores
adjacentes a ele da Casa da Glória. Tais ambientes eram vagos, neutros, residuais, contendo um grau de liberdade amplo a ponto de dificultar qualquer exploração
de seus espaços, tornando-os despercebidos e de mera transição ou sem função
alguma. Foram projetadas, portanto, estruturas dispostas de acordo com o layout
proposto, uma urdidura que atende a intenção de promover maior permanência dos
visitantes no local, mas que fornecem a liberdade de obter funções diversas de
acordo com o interesse e necessidade do indivíduo que usufrui da intervenção.
Os objetos, ao mesmo tempo que podem funcionar como cadeiras, podem ser mesas,
prateleiras ou um simples suporte, podendo ser movidos pelo espaço e, até mesmo
as partes fixas, podem obter diversos layouts de acordo com como e o que é
colocado em sua superfície. Dessa forma, são capazes de assumir diversas
características individuais, desenvolvendo, assim, suas tramas.
Essa
arquitetura se relaciona diretamente com os conceitos de flexibilidade,
polivalência e funcionalidade da mesma. A possibilidade de mudança constante
dos objetos e layout pelo usuário, as mesas que podem ser usadas como bancos e
vice-versa, a possibilidade de dispor eles próximos uns dos outros ou não, sob
o céu aberto ou nas sombras, certificam, assim, que não há uma solução correta
para o espaço, sendo estruturas flexíveis e que se prestam a vários usos sem
necessariamente perder sua forma e identidade, portanto polivalente. Já em
relação a funcionalidade, foram colocados biscoitos, xícaras e máquinas de café
de forma a transformar o espaço na cafeteria da casa, mas são módulos
independentes da estrutura em si que poderiam ser retirados na busca por
explorar outras funcionalidades da intervenção, como mais uma sessão do museu
da casa ou unicamente como ambiente de descanso rápido e observação, entre
outras diversas possibilidades.
Tal
capacidade de atuar como ambiente que promova a permanência temporária do
usuário e a observação do seu redor se dá pela forma convidativa da
arquitetura. A estrutura de madeira e sua cor amarela contrasta com o azul e
branco da casa, criando uma combinação viva e de estética agradável aliada à
funcionalidade da intervenção. Os móveis permitem a apropriação do ambiente,
que os indivíduos se sentem e se alimentem explorando fisicamente e com o olhar
a casa, seus detalhes e as sensações que ela proporciona. O céu aberto e o pé
direito duplo do pátio interno atraem os olhares quando nele se acomoda
trazendo uma leveza e harmonia que acentuam a beleza e o aspecto agradável da
cafeteria, agregando à utilidade dela.
A
cafeteria seria mantida por uma pessoa, contratada pela empresa do café sendo
vendido, para limpar e auxiliar nas dúvidas dos indivíduos que usufruiriam do
ambiente. Esse fator poderia classificar a área como privada por estar sob
responsabilidade de manutenção por uma pessoa, no entanto seria errôneo assim
dizer, tendo em vista que é um espaço acessível a todos e que podem atuar e modifica-lo
livremente, o que o torna público. Hertzberger, em seu livro, já pontua a
relatividade desses conceitos referentes às séries de qualidades espaciais determinantes,
o grau de acesso, a forma de supervisão, de quem utiliza e de suas responsabilidades.
Dessa forma, o ambiente em questão público, ao estar no interior da Casa da
Glória, é utilizado para interesses particulares da empresa que ali vende seu
café, evidenciando, assim, a gradação desta demarcação territorial, uma área
supervisionada e mantida por alguém, mas de livre acesso da população de seu exterior,
que pode entrar e sair, servir de forma autônoma seu café mediante pagamento em
moeda que ligaria a máquina de coar, explorar o ambiente, alterar e mover as
estruturas e objetos de acordo com a necessidade e interesse próprio de cada
indivíduo.
O
ambiente da cafeteria, nessa perspectiva, é tornado mais útil e plausível de
exploração para maior adaptação a diversas situações e interesses, agregando o
dormitório, pátio e corredores de forma a coexistirem como um espaço único e
complementar. Tal característica foi possível pela exploração das
irregularidades entre eles, buscando projetar as estruturas de forma que os articulasse.
Isso se dá, pois paredes subdividem os espaços aproveitados, além do desnível
entre o pátio e o dormitório, como também o fato de as paredes serem tortas e desniveladas.
Para explorar e aproveitar dessas irregularidades, algumas das estruturas
projetadas interligam um lado da parede com o outro, fixando uma parte da
estrutura dos dois lados das janelas e conectando-os, fazendo com que seja
perceptível para o olhar a conexão entre os espaços. Já com relação aos
desníveis, todo o mobiliário foi projetado com diversas alturas diferentes, de
forma que, independentemente de onde seja disposto, nenhum deles se tornaria um
ruído próximo aos outros, pois ser desnivelado já seria uma característica da
intervenção, criando uma heterogeneidade harmônica com os contrastes da própria
construção Casa da Glória.
Ademais,
é analisada também a interferência dos sons na intervenção proposta. O espaço
da cafeteria, principalmente o pátio descoberto é o centro para onde muitas das
janelas da casa são voltadas, recebendo, portanto, sons de toda ela. O céu
aberto possibilita que sons da rua, dos pássaros, de todo o exterior da casa
também sejam ouvidos, potencializando a característica do ambiente como um
espaço de convívio social, assemelhando-se a sensação de estar em uma praça
pública, porém sendo capaz de adaptá-la de acordo com sua preferência. Dessa
forma, projetou-se uma arquitetura estimulante da apropriação daquele que com
ela interage e adaptável a situações e interesses diversos.
Bárbara Tostes Ribeiro de Oliveira – 2019.2
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